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JOGOS

http://www.papajogos.com.br/jogos-de-tiro/The_Sniper_2985.html


ÁLVARO DE CAMPOS
ÁLVARO DE CAMPOS

 

Pessoa o considera no «extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro. Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir.

Álvaro de Campos é o cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, expressa o desencanto do quotidiano urbano, adaptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.

 

Vilegiatura

O sossego da noite, na vilegiatura no alto;
O sossego, que mais aprofunda
O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;
O silêncio, que mais se acentua,
Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro…
Ah, a opressão de tudo isto!
Oprime como ser feliz!
Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse
Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada
Sob o céu sardento de estrelas,
Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo!

Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,
Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.

Sempre esta inquietação mordida aos bocados
Como pão ralo escuro, que se esfarela caindo.
Sempre este mal-estar tomado aos maus haustos
Como um vinho de bêbado quando nem a náusea obsta.

Sempre, sempre, sempre
Este defeito da circulação na própria alma,
Esta lipotimia das sensações,
Isto…

(Tuas mãos esguias, um pouco pálidas, um pouco minhas,
Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,
Como e onde a tesoira e o ideal de uma outra.
Cismavas, olhando-me, como se eu fosse o espaço.
Recordo para ter em que pensar, sem pensar.
De repente, num meio suspiro, interrompeste o que estavas sendo.
Olhaste conscientemente para mim, e disseste:
“Tenho pena que todos os dias não sejam assim” —
Assim, como aquele dia que não fora nada…

Ah, não sabias,
Felizmente não sabias,
Que a pena é todos os dias serem assim, assim:
Que o mal é que, feliz ou infeliz,
A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo,
Consciente ou inconscientemente,
Pensando ou por pensar
Que a pena é essa…

Lembro fotograficamente as tuas mãos paradas,
Molemente estendidas.
Lembro-me, neste momento, mais delas do que de ti.
Que será feito de ti?
Sei que, no formidável algures da vida,
Casaste. Creio que és mãe. Deves ser feliz.
Por que o não haverias de ser?

Só por maldade…
Sim, seria injusto…
Injusto?

(Era um dia de sol pelos campos e eu dormitava, sorrindo.)

(…)

A vida…
Branco ou tinto, é o mesmo: é para vomitar.


Vai Pelo Casi Fora

Vai pelo cais fora um bulício de chegada próxima,
Começam chegando os primitivos da espera,
Já ao longe o paquete de África se avoluma e esclarece.

Vim aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros esperar,
Para ser os outros todos a esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.

Trago um grande cansaço de ser tanta coisa.
Chegam os retardatários do princípio,
E de repente impaciento-me de esperar, de existir, de ser,
Vou-me embora brusco e notável ao porteiro que me fita muito mas rapidamente.

Regresso à cidade como à liberdade.

Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir.

Trapo

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias…
É preciso ser-se criança para os ter…
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer…
Quando foi isso? Não sei…
No azul da manhã…

O dia deu em chuvoso.

 

 

Ora até que enfim..., perfeitamente...

 

Ora até que enfim..., perfeitamente...

Cá está ela!

Tenho a loucura exatamente na cabeça.

 

Meu coração estourou como uma bomba de pataco,

E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

 

Graças a Deus estou doido!

Que tudo quanto dei me voltou em lixo,

E, como cuspo atirado ao vento,

Me dispersou pela cara livre!

Que tudo que fui se me atou aos pés,

Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!

Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta

E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!

 

Graças a Deus, porque, como na bebedeira,

Isto é uma solução,

Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!

Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!

Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!

A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto

resolvido com vários -

Também não é novidade.

Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...

Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo

para o despejar comia-o.

Com esforço, mas era para bom fim.

Ao menos era para um fim.

E assim como sou não tenho fim nem vida...

 

 

Mas eu, em cuja alma se refletem


Mas eu, em cuja alma se refletem

As forças todas do universo,

Em cuja reflexão emotiva e sacudida

Minuto a minuto, emoção a emoção,

Coisas antagônicas e absurdas se sucedem -

Eu o foco inútil de todas as realidades,

Eu o fantasma nascido de todas as sensações,

Eu o abstrato, eu o propalado no écran,

Eu a mulher legítima e triste do Conjunto,

Eu sofro ser eu através disso tudo como ter sede sem ser de água.

 

 



Eu, eu mesmo...


Eu, cheio de todos os cansaços

Quantos o mundo pode dar. -

Eu...

Afinal tudo, porque tudo é eu,

E até as estrelas, ao que parece,

Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...

Que crianças não sei...

Eu...

Imperfeito ? Incógnito ? Divino ?

Não sei...

Eu...

Tive um passado ? Sem dúvida...

Tenho um presente ? Sem dúvida...

Terei um futuro ? Sem dúvida...

A vida que pare de aqui a pouco...

Mas eu, eu...

Eu sou eu,

Eu fico eu,

Eu...

 

Quando olho para mim não me percebo.


Quando olho para mim não me percebo.

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio às vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.


O ar que respiro, este licor que bebo,

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.

 

 

Escrito num Livro Abandonado em Viagem


Venho dos lados de Beja.

Vou para o meio de Lisboa.

Não trago nada e não acharei nada.

Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,

E a saudade que sinto Não é nem no passado nem no futuro.

Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio morto:

Fui, como ervas, e não me arrancaram.



Pecado Original


Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?

Será essa, se alguém a escrever,

A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;

O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.

Somos todos quem nos supusemos.

A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade - o sonho à janela da infância?

Que é daquela nossa certeza - o propósito à mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas

Sobre o parapeito alto da janela de sacada,

Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é de minha realidade, que só tenho a vida?

Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;

Na imaginação, e com alguma justiça;

Na inteligência, e com alguma razão -

Meu Deus! meu Deus! meu Deus!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!



Não, não é cansaço...


Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão

Que me estranha na espécie de pensar,

É um domingo às avessas

Do sentimento

Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...

É eu estar existindo

E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Como tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.


 

Não. Cansaço por quê?

É uma sensação abstrata

Da vida concreta -

Qualquer coisa como um grito

Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia

Por sofrer,

Ou por sofrer completamente,

Ou por sofrer como...

Sim, ou por sofrer como...

Isso mesmo, como...


Como quê?

Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.


(Ai, cegos que cantam na rua,

Que formidável realejo

Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)


Porque oiço, veja

Confesso: é cansaço!...




Começo a conhecer-me. Não existo.


Começo a conhecer-me. Não existo.

Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,

Ou metade desse intervalo, porque também há vida...

Sou isso, enfim...

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos

no corredor.

Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.

É um universo barato.