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JOGOS

http://www.papajogos.com.br/jogos-de-tiro/The_Sniper_2985.html


O X DO PROBLEMA
O X DO PROBLEMA

 

(Brasil, 1923)

 

O x do problema

 

 

Em cima da pilha dos jornais, a imagem ficou pior ainda. César começou a sacudir o aparelho, Porra, queria encontrar agora o Silésio pra enfiar esta droga de tevê no rabo dele, droga, droga! Na véspera, dera um murro na caixa e a cara do detetive Kojak, multiplicada por seis, reduziu-se a quatro, mas hoje não podia se arriscar, o farmacêutico tinha acabado de responder sobre as cobras, mais um pouco e chegaria a vez do Aryosvaldo, olha só as faixas se abrindo, beleza de auditório, meu Deus, tem faixa à beça, até bandeiras, todo mundo torcendo. Estamos contigo, Aryosvaldo! Estamos aí!...

- E esta droga! Não enxergo nada, o que é isso? É ele entrando, Clorinda? É o Ary? Este daqui não é ele?

- Qual, este? Ih, tá ruim demais, espera... Parece que é o anúncio, não é o anúncio? Mexe no som, César, não estou escutando o que ele diz. Vai ver entrou água na caixa, ela estava no fogão quando a enxurrada engrossou. E amanhã vai chover mais, viu?, o moço aí do jornal já falou. Mais água, minha mãe, esta casa já tá podre, olha o fedor, não se agüenta mais de tanto fedor. Vira a antena, César. Não, assim não, piorou! Pronto, embaralhou tudo, agora sim, me representa até que o próprio diabo entrou aí. Sacode, sacode ela!

- Desliga e liga de novo, pai - disse Duda.

César obedeceu, puxando a antena para os lados num giro desvairado, E assim? Melhorou? Empurrou-a para dentro, trouxe-a para fora num arranco e de repente ficou com a antena na mão. Atirou-a longe, Puta-que-pariu, justo hoje, mas tinha que ser hoje? Deu socos na cabeça, chutou o cachorro, que saiu ganindo, e parou diante do vídeo. Ajoelhou-se e humildemente recomeçou o toque nos botões com gestos suaves de arrombador de cofre tentando nas pontas dos dedos desvendar o segredo. O suor começou a escorrer da sua testa crispada. Em preto e branco, a imagem também escorria empastada, as silhuetas se derretendo como cera no fogo, o líquido se fazendo gasoso na composição e decomposição das imagens - mágica lição de que nada se perde, tudo se transforma por entre os estalidos da máquina metalizando vozes e risos, fragmentados em pequenas explosões.

- É só acontecer alguma coisa e esta pamonha já fica fodida. No dia do jogo, lembra?, foi igual. Na horinha do gol, sumia rede, bola, parece que tem um olho escondido aí pra saber o pedaço que a gente se interessa e pronto, some tudo. Ainda taco esta merda no rio!

- E subiu mais, viu César? O rio. O moço do jornal já avisou que vai ser que nem no domingo, o céu já tá preto, esta parede aqui num vai agüentar. Que barulho é esse? A chuva?

- Cala a boca, Clorinda. Besteira, esse cara saca demais, o pior já passou. Tudo bem. A mulher da Previdência prometeu ajudar, ela falou com você, não falou? Então. tudo bem, queria agora era aquele raio de gato pra sentar aqui em cima, quando ele senta aí, melhora. Cadê o gato?

- Ontem teve carne lá na Mercedes. Vai ver, cozinharam ele - disse Clorinda voltando lentamente o olhar para o teto. - É a chuva?

- Melhorou um pouco? Ô! Cristo, me conformava se ao menos pudesse escutar - suspirou César esfregando na palma da mão a cara lustrosa. - Lembra aquela história do colar de brilhante, Duda? O Imperador pediu pra Marquesa devolver o colar, não pediu? Não foi isso, Duda? Ele pediu o colar, não pediu? Responde!

Duda abriu a braguilha. Começou a se coçar.

- O colar ou uma coroa, agora não sei, pai. O Mário da Nena disse que esse programa é tudo marmelada, que foi combinado pergunta e resposta, ele conhece o Aryosvaldo, disse que é um cabeleireiro fajuto que sabe dessa Marquesa de Santos tanto quanto a gente.

- Fajuto é ele. Cafetão besta, tudo inveja. Inveja. Vocês vão ver hoje que beleza, vai pro milhão a aposta, porra. E Ary pega fácil esse milhão, você viu da outra vez? A turma quer embrulhar mas ele entope a boca desses porqueiras, tudo baixo astral...

- Espera, pai, o que é isso aí? Foi ele que chegou? -Confusão desgraçada, menino, olha só, acho que é ele, este aqui de branco, não é ele? A gente tem que adivinhar, porra, não é anúncio?

- De cigarro, conheço pela musiquinha, esta coisa é um barco, o cara está num barco fumando. A Circe fuma essa marca, aquela vacona. A Creuza também, tudo o que a Circe faz ela faz igual.

- Quase morreu de tanto apanhar - disse Clorinda puxando o cachorro para perto dela e do filho encarapitado no rolo de colchões. - Adiantou? A peste continuava igualzinha, não demorava e ficava que nem a irmã, perdida de doença e com uma barrigada por aao, era só o trabalho de desencher e já enchia de novo. Feito o rio.

- E agora? Não é ele? - gritou César. Torceu os botões, mas não era pra endoidar? O Aryosvaldo já dando a resposta e essa zoada, se o som ao menos melhorasse, porra, se...

- Ele acertou, pai, todo mundo bateu palma! Inteirinho de branco, um dia também vou ter uma roupa assim.

- Olha a beleza de auditório cheio das madames, tudo torcendo feito louco, uma puta enchente e ele sem orgulho, sem nada, te agizenta, nego, estamos aí !

- Acho tão lindo o cabelo dele - disse Clorinda apanhando um punhado de palha enegrecida que escapava de um buraco do colchão. Foi apalpando meio ao acaso até achar um buraco maior onde enfiou a palha. Enxugou a mão na saia. Concentrou-se: - E a chuva? só ; - Essa também ele sabe, olha lá a torcida, escutei falar em Qu jóia, acertou, acertou!

- A velha que apareceu é a mãe dele, veio todo mundo do norte porque diz que hoje é o último dia - murmurou Clorinda saiu espiando debaixo do guarda-louça. Pensava em outra coisa. – O programa vai acabar, Duda? - Acabar, nada, esse programa não acaba, sai o Aryosvaldo e no Sábado já entra um que sabe tudo do Pelé. O Mário da Nena diz que é marmelada.

- Essa ele não sabe? Olha lá - gritou César. Correu para Aí E pegar a antena no meio da poça d’água, introduziu-a no furo da caixa e recomeçou o movimento desvairado. - Ele não sabe? Responde, Ary, responde! Estamos contigo, porra!

A mão de Duda se imobilizou no fundo da braguilha. - Ih, engrossou, olha o sambinha tocando, quando começa é porque ele não sabe, aí é que está... ta-ra-ra-ra! O X do problema!

- Ah, coitado, me dá um nervo - gemeu Clorinda voltando a espiar debaixo do guarda-louça. - Fedor desgraçado, acho que ela essa lama veio do inferno.

César ficou de pé.

- Responde, Ary, responde! Vai em frente, fala! Mas porque ele não fala? Fala, nego, fala!

- Acho que ele não sabe, coitado. Duda começou a se coçar com mais força. A mão livre quis abraçar o cachorro que se esgueirou ligeiro. Cantou aos gritos.

- Aí é que está o X do problema!...

- Ele não falou, Duda? Não falou? ama - Escutei uma coisa de jóia, parece que ele tá falando numa jóia que ela usava, brinco...

- Mas tinha jóia essa Marquesa!

- Respondeu, respondeu! - gritou César dando um murro no aparelho que apagou e reacendeu em seguida, Então ele acertou?

Recuou de punhos cerrados, golpeando o ar, Acertou, sim, olha a gritaria, beleza de nego, beleza, estão levando ele no ombro! Que carnaval, porra, estamos contigo, Ary! Estamos contigo!

- Essa daí que começou a chorar é a mulher dele, coitada. Uma choradeira - murmurou Clorinda enxugando os olhos na saia.

- Eu sabia - disse César deixando-se cair no rolo de colchões. Tremia inteiro, o olhar úmido. - Eu não disse? Eu sabia, repetiu rindo baixinho, um riso difícil, quase como um soluço: Um milhão, porra. Um milhão!

- Todo mundo chorando, que festa! A Circe tem esse disco. Aí é que está... ta-ra-ra-ra! O X do problema!

- Ninguém segura! Olha só, carregado no ombro, beleza de vitória, ô! Ary! Vai que você merece! E esse besta falando, que é que ele tá falando agora, vai lá depressa segurar o nego, cala essa boca! Tem um rato aqui embaixo, estou vendo o olhinho dele.  

- Um milhão. Se a Ponte Preta ganha amanhã, já pensou? - Tudo foi na enxurrada, até o coitadinho do Nando, mas esses ratos desgramados ficam. E ainda me olha, a peste - gritou ela batendo com um pedaço de pau no guarda-louça. Ficou quieta, ouvindo: - Que é isso? A chuva?

- Diz que vai ter agora um cara falando de Pelé, mas quem quer Pelé? Pelé está velho, eu queria o Zico Zico, Zico!

- Vou forrar o peito, que mereço, porra. - É a chuva, César? É a chuva?

Ele abriu a porta. Enfiou as mãos nos bolsos, o queixo nítido de vencedor.

- Um chuvisco de nada, não esquenta não, tudo bem, amanhã vai fazer um puta de um sol.

 

 

In “Seminário dos Ratos”